Autor: Vinícius Campos
O trabalho está baseado no TCC orientado pelo professor Daniel Sebástian Henao e defendido em 2024
RESUMO
Em 2013, Cody Wilson disponibilizou projetos da Liberator, uma pistola plástica impressa em 3D, iniciando um debate sobre segurança doméstica e internacional. Este trabalho analisa o impacto tecnológico nos conflitos, ideologias envolvidas e medidas para evitar a proliferação.
Palavras chave: Impressão 3D, Armas 3D, Armas impressas em 3D, Segurança internacional, Proliferação de armas, Lobby de armas
Introdução
As teorias de Relações Internacionais em particular as correntes realistas e críticas, como é o caso da escola de Copenhague, mas não apenas, desempenham um papel fundamental na compreensão e análise dos fenômenos sociais e políticos que ocorrem em escala global. No campo das Relações Internacionais, a discussão sobre segurança é um tema central, abordado por diversos autores e teorias, que buscam compreender os desafios e as dinâmicas que permeiam as relações pautadas pelo conflito e a desconfiança entre diversos atores da política internacional: Estados, organizações, indivíduos e coletivos humanos, entre outros. Autores como Barry Buzan (2007) e Ole Wever (1992) discutem a segurança como um conceito multifacetado, que envolve tanto a proteção do Estado quanto a construção social de ameaças. A segurança internacional é vista como um processo dinâmico, influenciado por discursos políticos e narrativas que moldam as percepções de risco e as estratégias de defesa.
O avanço tecnológico, especialmente a impressão 3D, é apresentado como um fator disruptivo que desafia os mecanismos tradicionais de controle de armas. A capacidade de produzir armas de fogo funcionais em casa, sem a necessidade de registros ou controles estatais, representa uma nova ameaça à segurança pública e internacional. A partir disso, é cabível fazer uma análise mais aprofundada das implicações dessa tecnologia, tanto no âmbito doméstico quanto internacional.
O papel das armas impressas em 3D e suas implicações para a segurança internacional
A tecnologia tem transformado a natureza dos conflitos ao longo da história. Desde as armas rudimentares até os sistemas de inteligência militar modernos, a evolução tecnológica tem sido um fator determinante na dinâmica das guerras. Vaclav Smil (2017) e James F. Dunnigan (2000) observaram que o avanço tecnológico, especialmente no campo das armas, tem sido um dos principais impulsionadores do desenvolvimento das civilizações humanas. Em especial, processos como as armas de fogo, revolucionaram o campo de batalha, substituindo armas de combate corpo a corpo e aumentando a letalidade dos conflitos.
A era da informação trouxe novos desafios, em meio a dependência de sistemas tecnológicos avançados e a vulnerabilidade a ataques cibernéticos. A impressão 3D é apresentada como uma tecnologia disruptiva que permite a fabricação de armas de forma descentralizada e anônima. A primeira arma impressa em 3D, a Liberator, criada por Cody Wilson em 2013, pode ser citada como um marco nesse processo. A arma, feita inteiramente de plástico, pode ser produzida por qualquer pessoa com uma impressora 3D, o que levanta preocupações sobre a proliferação de armas não rastreáveis.
Também é importante discutir como a tecnologia pode ser usada tanto para fins pacíficos quanto para a produção de armas, destacando a natureza de “uso duplo” da impressão 3D. Marco Fey (2017) argumenta que, embora a tecnologia tenha potencial para impactar positivamente áreas como saúde e exploração espacial, também representa riscos significativos para a segurança, especialmente no desenvolvimento e proliferação de armas.
Por outro lado, é possível argumentar que esse desenvolvimento teve a influência da ideologia armamentista e do lobby das armas na promoção de uma cultura pró-armas. Temos o caso do Estatuto do Desarmamento no Brasil, que foi colocado em referendo popular em 2005, e como a campanha contra a proibição da venda de armas foi fortemente financiada pela indústria armamentista. Em uma reportagem para o canal GNT (2019), Michele Ramos, pesquisadora do Instituto Igarapé, argumenta que a presença de armas em casa aumenta o risco de violência, enquanto Rodrigo Pimentel, ex-capitão do Bope, destaca que a probabilidade de um cidadão fazer um bom uso de uma arma em uma situação de defesa é mínima.
O lobby das armas pode ser compreendido como uma força social poderosa na formação de políticas públicas e na influência da opinião pública. À luz da perspectiva de Robert W. Cox (1981), em “Social Forces, States and World Orders: Beyond International Relations Theory”, destaca-se o papel da hegemonia de ideias e valores dominantes na conformação das relações internacionais, o que permite analisar o lobby armamentista como parte de um bloco histórico que sustenta determinadas ordens políticas e interesses globais. No lobby de armas, essa hegemonia se reflete na influência de empresas e grupos de interesse que moldam narrativas e políticas públicas em torno do armamentismo. E Antonio Gramsci (2000) argumenta que a classe dominante exerce sua hegemonia não apenas através da força, mas também através da conquista de corações e mentes, influenciando a cultura, a educação e as instituições sociais. Assim, é possível discutir como a hegemonia cultural e ideológica promovida por empresas de armas e grupos de interesse legitima a posse de armas como um direito fundamental. Nos Estados Unidos, a segunda emenda da Constituição é usada como justificativa para a ampla disponibilidade de armas, o que tem levado a um aumento significativo no número de armas em circulação e a massacres em escolas.
Sendo importante analisar como a ideologia armamentista influencia a aceitação das armas impressas em 3D. A facilidade de produção e a falta de regulamentação dessas armas são vistas como uma extensão do direito à autodefesa, promovido pelo lobby das armas. No entanto, a natureza descentralizada da impressão 3D também pode desafiar a própria indústria bélica tradicional, já que indivíduos podem produzir armas sem depender de fabricantes convencionais.
Com isso nos deparamos com desafios geopolíticos e regulatórios associados às armas impressas em 3D. A internet é apresentada como um espaço geopolítico crítico, onde a disseminação de arquivos de design de armas desafia as fronteiras nacionais e a soberania estatal. Robert D. Kaplan (2012) destaca que, além da geografia, a conectividade é crucial na política internacional, reduzindo distâncias e ampliando a influência de atores não estatais. Ele enfatiza a necessidade de compreender rivalidades e aspirações das nações dentro de seus contextos geográficos. Por outro lado, Joseph S. Nye Jr. (2011) defende que, em um mundo interdependente, o smart power é mais eficaz que o poder militar tradicional. Ele propõe a combinação de diplomacia, cooperação internacional e regulamentação para enfrentar desafios emergentes, destacando a importância do controle e da regulamentação. No contexto das armas 3D, o smart power está em envolver a combinação de esforços diplomáticos, cooperação internacional e medidas regulatórias para enfrentar os desafios apresentados por essa tecnologia emergente.
A proliferação de armas impressas em 3D é vista como um desafio emergente que requer cooperação internacional. Michael Carl Haas (2017) argumenta que a facilidade de compartilhamento de arquivos de design de armas pela internet permite que grupos terroristas e organizações criminosas produzam armas sem rastreamento, criando novas dinâmicas de ameaça à segurança global. A regulação transnacional é proposta como uma solução, envolvendo acordos internacionais para restringir a disseminação de informações sensíveis e monitorar a produção e distribuição dessas armas.
No entanto, o monitoramento online dessas armas levanta questões éticas e legais, especialmente em relação à privacidade dos usuários. Shoshana Zuboff (2019) analisa o capitalismo de vigilância, no qual empresas transnacionais coletam e usam dados pessoais para lucrar e influenciar comportamentos, afetando a soberania estatal e a privacidade. Ela explora o poder das grandes corporações de tecnologia, que coletam dados em escala global, incluindo informações sobre armas impressas em 3D, destacando os desafios de regulamentar atividades que transcendem fronteiras nacionais. Já Trevor Johnston (2016) examina a circulação desses designs em plataformas online, como fóruns e redes sociais, e as implicações políticas e de segurança decorrentes dessa rápida propagação. Ele analisa, em seu relatório, os impactos da impressão 3D na indústria de armas e no controle de armas e destaca como a tecnologia facilita a disponibilidade e a disseminação de projetos de armas.
Em definitiva, a proliferação de armas produzidas por impressão 3D exige uma abordagem holística, que equilibre segurança pública, direitos humanos, privacidade e liberdades civis. Essa tecnologia desafia os marcos regulatórios tradicionais ao viabilizar uma fabricação descentralizada e anônima, o que dificulta tanto o controle estatal quanto a aplicação efetiva da lei. A cultura armamentista, impulsionada por lobby e ideologias, influencia políticas e percepções sociais, enquanto a impressão 3D pode reduzir a demanda por armas convencionais, impactando a economia global de armamentos. Dilemas éticos envolvem privacidade, liberdade de expressão e segurança pública, exigindo regulamentações atualizadas e cooperação internacional. Casos reais destacam a urgência de uma resposta global coordenada para mitigar riscos e explorar benefícios de forma responsável, garantindo segurança e proteção de direitos na era digital.
Referências bibliográficas:
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